segunda-feira, 2 de abril de 2018

Choque cultural

Meu primeiro choque cultural foi quando, aos 12 anos de idade, minha família mudou de uma cidadezinha de sete mil habitantes para BH. A cidade grande me assustava, morria de medo de me perder, não entendia os quarteirões fechados da Praça Sete, não sabia usar o telefone público. Foi em BH que a ficha da injustiça social caiu. Vi mendigos na rua pela primeira vez e percebi o quanto minha família era pobre. O segundo choque cultural foi quando entrei na universidade. Era começo da década de 1990, o muro de Berlim havia caído e discutia-se o fim da história. Influenciada pelos irmãos Souza (Betinho, Henfil e Mário) lá fui eu fazer Ciências Sociais. Lembro de uma greve de ônibus que teve, e como ia a pé para UFMG, fui assim mesmo. Achava que ia perder a caminhada, pois com greve nos transportes como é que as pessoas se deslocariam até lá? Quando cheguei e vi o estacionamento tomado de carros, alheios à greve, percebi o espaço elitista onde estava me metendo. Lembro do primeiro período, tendo que ler Pierre Bourdieu e não entendendo nada. Lembro de um trabalho que fui fazer na casa de uma colega de curso. Um menina que estava na segunda graduação, que já havia morado no Canadá e falava francês fluentemente. Essa colega às vezes zoava o meu sotaque da roça, eu que nem sabia que tinha, porque morando em BH há mais de 10 anos, achava que já dominava todos os códigos. Mas não adianta, pobre tem cara de pobre, jeito de pobre e alma de pobre. Já disseram por aí. Quando cheguei no apartamento da colega para discutirmos o texto tomei outro susto. Localizado na zona sul de BH, num prédio de um apartamento por andar, com cerca de, sei lá, 150/200m2. Era um apartamento de quatro quartos e ficamos discutindo o texto numa mesa enorme na sala de jantar. Chegamos a morar, eu e minha família, 8 pessoas em um barracão de três cômodos. Eu olhava pr'aquele apartamento enorme e me perguntava como podia abrigar somente uma pessoa? Por isso carrego uma simpatia enorme pelos movimentos de luta por moradia e, às vezes, tenho muita vontade de ocupar algumas casas vazias que vejo por aí. Minha colega morava sozinha e deve ter percebido a minha cara de espanto, pois ficou justificando de onde vinha a riqueza, que o apartamento era do pai que enriqueceu durante a ditadura na década de 1970, com aquela história que o bolo tinha que crescer pra depois dividir. Foi a primeira vez que ouvi isso. Depois estudaria sobre o período nas aulas de economia e aprenderia que o bolo cresceu sim, mais foi dividido somente com uma pequena parcela da população, aquela que ficava no topo da pirâmide, às custas do empobrecimento de quem estava na base. Nesses dias de aniversário do golpe militar de 1964, tenho lembrado dessas histórias. 

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