domingo, 4 de março de 2018

Sobre ser negro/a

Eu não nasci negra. Me tornei negra. Foi lá pelos 26 anos, quando entrei na universidade. É, entrei tardiamente... Lembro de quando a ficha caiu. Foi na disciplina "antropologia do negro brasileiro", no curso de Ciências Sociais. Depois as dúvidas que eu tinha foram se dissipando quando morei em Florianópolis e depois, fora do país. Eu, inclusive, acho que todo brasileiro deveria poder viver a experiência de morar fora do Brasil. É interessantíssimo para a construção da identidade racial. Lembro das inúmeras discussões que provoquei em casa quando levantava essa questão. Somos 10 irmãos e acredito que só 5, depois de sofrerem muitas, mas muitas situações de racismo, se reconhecem como negros. Me preocupo porque vejo sobrinhos que são lidos como negros pela sociedade, mas que não se reconhecem como tal, e que não têm a discussão racial em casa, nem a autoestima fortalecida. Sofrem racismo, mas não sabem como se defender. Quando o menino nasceu, ouvi muito que ele teria que andar sempre bem vestido para não ser confundido com trombadinha, ou que era bom ele ser menino, porque assim poderia manter o cabelo sempre bem curtinho. Filho de pai que usa dreadlocks, ele nunca teve problema em reconhecer como bela a estética negra. Cresceu se achando bonito e se encorajando para deixar o cabelo crescer. Confesso que o fato dele ouvir rap me ajuda muito na sua educação e na autoestima positiva. Foi na escola o primeiro lugar que ele sofreu racismo. Aliás, a escola é um dos piores lugares para se frequentar quando se é negro. Ele tinha cerca de 9 anos quando foi chamado de negro por um coleguinha menor do que ele. Mas levantou a cabeça e respondeu altivo, sou sim, com muito orgulho! Sempre o carreguei para eventos sobre cultura negra, shows, palestras, lançamentos de livros, umbanda, candomblé, etc. Dia desses, enquanto ele jantava, me contava da preocupação que tem com o irmãozinho [por parte de pai] que é negro, mas nasceu de cabelo louro. O menino que também nasceu com a pele clara e olhos gateados, está cansando de ser considerado branco para ser chamado de negro, mas que na hora de sofrer o racismo essa dúvida desaparece. Ele cresceu incomodadíssimo com a falta de representatividade negra. Lembro da vez que questionou a professora porque o negro só era abordado na escola na condição de escravizado. Ele queria saber do negro feliz e ela mandou ele pesquisar. Ele então, escreveu um texto lindo onde falava de Bob Marley, Michel Jordan e Barack Obama, mas a professora nunca leu. Hoje, ele tem inúmeras referências positivas, principalmente por conta da cultura hip hop. Eu agradeço todos os dia os rappers que ele ouve e que o ajudam a fortalecer sua autoestima. Por isso, o filme Pantera Negra está fazendo tanto sucesso pelo mundo à fora. Eu, que nem gosto de filmes de ação, estou louca para assistir, de novo. Precisamos cuidar das nossas crianças, e se você tiver oportunidade, vá assistir Pantera Negra e leve um pequeno junto.

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