domingo, 4 de março de 2018

O caminho de casa

O livro "O caminho de casa", da ganense Yaa Gyasi, conta a história de sete gerações desde a infância das irmãs Esi e Effi, na África, até os dias atuais. Comecei o sábado lendo o capítulo sobre Willie, a quinta geração desde Esi. Willie mora no Harlem, em NY. O livro está mexendo muito comigo e tenho que ir aos poucos. É impressionante como sete gerações depois, os sujeitos ainda sofrem as conseqüências da escravidão, não só as econômicas e sociais, como as subjetivas, também. A autora, Yaa Gyasi, fala sobre isso, numa entrevista no jornal O Globo, do ano passado. Segundo ela, certos traumas são hereditários e herdamos marcas visíveis e invisíveis. Depois da leitura do capítulo fui replantar o coração magoado que trouxe de Baldim, uma mudinha pequenininha cujo espaço ficou apertado no vasinho. Daí, lembrei que há cerca de 40 anos, mamãe fazia o caminho BH/Baldim, vindo morar numa rua paralela à que hoje eu moro. Dia desses, passei lá e vi que a casa continua do mesmo jeito e que no endereço, ao invés de dois, agora são quatro domicílios. Mamãe morava no barracão de fundo que dava para um barranco enorme que, rapidinho ela encheu de plantas, flores e cebolinha. É que ela tinha fome de beleza, gostava de tudo muito organizado e sempre muito limpo. Enquanto eu mexia na terra replantando meus vasinhos, fiquei lembrando dessa história e relacionando com o livro de Gyasi, pensando nessas marcas visíveis e invisíveis que carregamos dos nossos antepassados. Daí, fui conversar com o menino e falei de como ele, a sexta geração desde a minha tataravó Filomena, uma negra escravizada, muitas coisas ainda permanecem as mesmas. 40 anos depois, estou de volta ao bairro Aparecida, repetindo o mesmo percurso que fez mamãe, morando de aluguel, e o menino que ainda não completou 16 anos já sonha com um emprego para comprar os trenzinhos dele. Tá certo que diferentemente de mamãe que não sabia ler nem escrever as palavras (mas que lia o mundo como ninguém), eu volto, hoje, como doutora, com praticamente a mesma idade dela quando veio para a metrópole. Mas, a pobreza é um marca difícil de romper. Eu, emocionada com a conversa, engoli o choro quando o menino disse: mãe, mas essa história ainda não terminou. Você tem muito o que viver e eu também. Seguiremos resistindo!

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