domingo, 4 de março de 2018

Naquela mesa

Das coisas que mais gosto quando estou em Baldim é quando o menino senta na mesa da cozinha para conversar comigo. É a repetição de um gesto que fiz, durante anos, com mamãe. Conversas difíceis que tínhamos porque ela sempre dizia o que tinha de dizer, sem enfeitar as palavras. Ontem, quando sentou aqui, o menino chorava. Chorava como nunca o vi chorar desde que adolesceu. Ele assistia "Escritores da Liberdade" e há poucos minutos do final, pausou o filme e veio conversar comigo.
- Você precisa assistir esse filme com seus alunos, mãe.
Ele resumiu a obra pra mim, com o cuidado de não dar spoiler. Mas, o mais doido foram as associações que ele fez com o filme. Primeiro, ele falou do trabalho lançado há pouco tempo, pelo rapper Delartovi, de Nova Lima: "A vida de Emmett Till" (https://www.youtube.com/watch?v=nT8T3pfp5YA). O disco é uma homenagem ao menino de 14 anos, assassinado no Mississipi, depois de assoviar para uma mulher branca. Depois, ele lembrou de um clip do James Brown, "It's A Man's Man's Man's World", feito em animação que retrata a segregação racial nos Estados Unidos (https://www.youtube.com/watch?v=H77fRz1rybs). Ele também lembrou do filme "Django" e falou de como há 15 anos, na escola, ele só ouve falar do negro na condição de escravizado. Mais uma vez eu senti gratidão à cultura negra, e em especial ao hip hop, por ensinar tanto ao menino. Ontem, choramos juntos nessa mesa. Ele me contou que dia desses, voltando do Mineirão onde foi andar de skate, na avenida Abraão Caram, uma moça que estava sentada no ponto de ônibus, guardou o celular na bolsa quando ele se aproximou. A conversa se prolongou por um bom tempo e ainda falamos de Carolina Maria de Jesus e dos livros que ele separou para ler nas férias. Tenho clareza, que muito da consciência racial e social que ele desenvolveu foi escutando rap. É óbvio que, desde pequenininho, eu o levo a eventos da cultura negra e ele cresceu com muitas referências negras positivas. Não é fácil educar um filho negro numa sociedade racista e eurocêntrica, por isso sou muito agradecida ao auxílio maravilhoso que recebo da música negra e que tem contribuído muito na construção de uma autoestima positiva. A cada dia me convenço mais que o hip hop é foda!

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