"De manhã, antes de Jo e Anna saírem para o trabalho, Jo fazia os filhos ensaiarem como mostrar os documentos. Ele representava o oficial federal, com as mãos nos quadris, indo até cada um deles, até mesmo com a pequena Gracie, e dizendo, com a voz mais severa que conseguia: “Aonde vocês tão indo?” E eles enfiavam a mão no bolso que Anna tinha costurado nos vestidos e nas calças e, sem discussão, sempre em silêncio, empurravam os documentos nas mãos de Jo. Quando ele começou a fazer isso, as crianças estouravam de rir, achando que era uma brincadeira. Elas não sabiam do medo que Jo tinha de pessoas uniformizadas; não sabiam como era ficar calado, quase sem respirar, debaixo do assoalho de uma casa de quacres, escutando o som do tacão da bota de um caçador de escravos acima de você. Jo tinha se esforçado tanto para que seus filhos não herdassem esse medo, mas agora desejava que eles pelo menos sentissem um pouquinho de medo."
Nada de novo sob o sol, são sempre os mesmos corpos matáveis.
Como escreve Conceição Evaristo em um de seus poemas:
"A terra está coberta de valas
e a qualquer descuido da vida
a morte é certa.
A bala não erra o alvo, no escuro
um corpo negro bambeia e dança.
A certidão de óbito, os antigos sabem,
veio lavrada desde os negreiros."
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