domingo, 26 de novembro de 2017

Viver não cabe no lattes

Esta semana, enquanto atualizava o meu currículo Lattes, fiquei pensando no monte de coisa que eu já fiz e não está lá, e que apesar de não contar pontos nos concursos, contribuíram, e muito, para eu ser quem sou. Meu primeiro trabalho numa padaria como balconista. Acordava às 5h da manhã para abrir o estabelecimento e carregava cestos enormes de pães quentes para abastecer as vitrines. As caixas de saquinhos de leite, pesadíssimas, que empurrava, ajudaram a moldar os meus braços. As cuecas, calcinhas e tênis dos patrões que lavei quando fui empregada doméstica. As faxinas que fiz no período que, mesmo com pós-graduação, fiquei desempregada. Os banheiros que lavei numa loja de departamentos no baixo belô quando fui serviços gerais. As crianças que dei banho e fiz dormir quando fui educadora infantil na Prefeitura de BH. Os meninos e meninas que alfabetizei numa escola em Nova Contagem, onde pegava três ônibus e levava três horas pra chegar e fiquei seis meses sem receber salário, porque o prefeito do PSDB, Ademir Lucas, não pagava o funcionalismo. Os vômitos que limpei na escola infantil onde fui servente. O medo que passei quando, telefonista na Telemig, eu largava serviço meia noite e meia e tinha que esperar ônibus no centro da cidade, sozinha, até quase duas da manhã, fugindo das baratas que subiam pelas minhas pernas. O filho que criei sozinha, e que aos 15 anos curte Cartola e Elza Soares. Isso tinha que constar no meu Lattes, não tinha?

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