domingo, 26 de novembro de 2017

O encontro parte I

O encontro - parte I
Riobaldo menino, sarado de uma doença, teve que cumprir promessa feita pela mãe quando ficasse bom: tirar esmola suficiente para, metade celebrar uma missa, metade pôr dentro de uma cabaça, bem tampada e jogar no Rio São Francisco, para esbarrar no Santuário do Senhor Bom Jesus da Lapa, e quem sabe, um mais necessitado encontrar. Todos os dias, lá ia o menino para a beira do rio, com sua capanguinha, esmolar. Ninguém quase que não passava, dinheiro quase que nunca tinha, mas ele gostava de apreciar o movimento. Lá, pelo terceiro dia, nem não é que viu um outro menino pitando cigarro, encostado numa árvore? Regulado na idade com Riobaldo, usava chapéu-de-couro, menino bonito, com grandes olhos verdes. Puxou prosa com Riobaldo, que mesmo em fé de promessa, ficou envergonhado de estar esmolando e foi logo enrolando sua capanguinha. Ali mesmo, nascia em Riobaldo um prazer pela companhia daquele menino, que ele nunca por ninguém tinha sentido. Uma conversinha adulta e antiga e um desejo de que ele nunca mais fosse embora, e ficasse para sempre naquela parolagem miúda, só seu companheiro amigo desconhecido. O menino comprou um quarto de queijo, um naco de rapadura e convidou Riobaldo para um passeio de canoa, dessas escavadas em pau de árvore. O menino lhe deu a mão para ajudar a descer o barranco, uma mão bonita, macia, quente que deixou Riobaldo vergonhoso e perturbado. Sentaram um de frente para o outro na canoa que se equilibrava mal, balançando no estado do rio. Receoso com o vacilo da canoa, os esmerados olhos verdes luziam um efeito de calma sobre Riobaldo que não sabia nadar. O remador era menino como eles, e embora inseguro, Riobaldo fez questão de demonstrar brio. O rio era o de-Janeiro, de águas claras e o menino chamava a atenção de Riobaldo para as muitas flores subitamente vermelhas e roxas, pois era mês de maio. Periquitos passavam em bando por cima deles, um Nhambú cantou e Riobaldo para sempre jamais deslembraria aquele momento. O menino não se parecia com pessoa nenhuma, um jeito suave e forte, suas roupas sem nódoa e nenhum amarrotamento. Possuía um cheiro bom sem cheiro nenhum, demonstrava segurança de si e embora falasse pouco, como se apreciasse o ar do tempo, com seu jeito sabido parecia também gostar de Riobaldo. A canoinha foi saindo do rio de-Janeiro e entrando no Velho Chico. Riobaldo ansiado pediu pra voltar. O menino nem lhe olhou, porque já estava lhe olhando. "Para que?" perguntou e sorriu. E deu ordem ao canoeiro, com uma só palavra, firme e sem vexame: "Atravessa!" Riobaldo teve medo, medo e vergonha. Apertou os dedos no pau da canoa, fechou os olhos e lembrou que se a canoa virasse, ficaria boiando e era só se apoiar nela, disse. O canoeiro contradisse. "Esta é das que afundam inteiras. É canoa de peroba. Canoa de peroba e pau-d'óleo não sobrenadam". Riobaldo sentiu tontura. Tantas canoas boas no porto, boiantes e tinham escolhido logo aquela de madeira burra. Seu desespero deve ter ficado evidente porque o menino quieto, composto, de frente e olhando para Riobaldo disse: "Carece de ter coragem..." Sentindo já as lágrimas marejarem os olhos, Riobaldo respondeu: "Eu não sei nadar..." O menino sorriu bonito e sereno afiançou: "Eu também não sei."

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