domingo, 26 de novembro de 2017

Delicadeza



Quando decidi ser mãe, eu tinha muita curiosidade em sentir as dores do parto. Eu queria experenciar no meu corpo se era uma dor insuportável ou não. Me preparei para o parto natural. Quando chegou a hora do menino vir ao mundo e as dores surgiram, me surpreendia os intervalos que o corpo dava entre as contrações. Eu conseguia respirar e me recompor para a dor que voltava, em seguida. "Grande Sertão" me remeteu para aquele momento. É que as descrições das batalhas entre os bandos de jagunços são muito cruéis. O autor não tem piedade do leitor e oferece um retrato realista de um Brasil profundo onde o Estado não chega e os sujeitos precisam criar, eles próprios, os seus sistemas de justiça. Mas, entre uma guerra e outra, Guimarães oferece momentos de ternura, onde o leitor consegue respirar. É assim nas partes onde Riobaldo conta para seu interlocutor sobre o amor que sente por Diadorim. Depois de dias encurralados numa fazenda abandonada no interior das Gerais, numa guerra que parecia não ter fim, num momento de pausa, entre um combate e outro, o relato de uma singeleza. Riobaldo carregava há tempos, dentro de um saquinho, costurado no forro de uma bolsa menorzinha, dentro da sua mochila, uma pedra de safira enrolada em algodão, trazida de Arassuaí, que ficou esperando, guardada em cautela, uma ocasião sensata para entregar o presente. "Diadorim, um mimo eu tenho, para você destinado, e de que nunca fiz menção..." Riobaldo desfez as costuras na mochila com a ponta de uma faca e entregou, em silêncio, a pedra ao amigo. "Diadorim entrefez o pra-trás de uma boa surpresa, e sem querer parou aberto com os lábios da boca, enquanto que os olhos e olhos remiravam a pedra-de-safira no covo de suas mãos."

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