domingo, 26 de novembro de 2017

Carece de ter coragem

Este final de semana foi o menino que veio e não eu quem fui pra Baldim. Acordei no domingo e o vi, enorme, maior do que a cama, dormindo tranquilo. Fiquei admirando sua beleza e pensando no tanto que caminhamos até chegar aqui. Quinze anos se passaram desde o dia em que ele pousou os olhinhos em mim pela primeira vez. Naquele final de domingo, dia de jogo do Atlético e Cruzeiro no Independência, eu só sabia repetir: "Ele é lindo, ele é lindo!" Era 21 de abril de 2002, e na Maternidade Santa Fé, os estampidos dos fogos do jogo se confundiam com o choro de quem enxergava o mundo pela primeira vez. Ontem, quando o vi dormindo sereno, fiquei mentalmente repetindo a mesma frase: "Como ele é lindo, como ele é lindo!"
Passamos o final de semana assim: eu, insegura e ansiosa com a prova que se avizinha e ele me dando conselhos. Ele é assim desde pequeno. "Para de reclamar, mãe. Reclamar não resolve. Veja o lado bom das coisas. Sempre tem um." E a gente briga, ri, discute, se diverte. No sábado, ele perdeu o ônibus porque na hora de sair ficamos discutindo feminismo. Quem vê, pensa que estamos brigando. Nosso lado "soares" se manifesta, falamos alto, os olhos arregalados. Queria tanto falar com doçura, como a mãe do poema de Adélia, num domingo sem cansaço.
Ontem, enquanto esperávamos o táxi coletivo que o levaria para Baldim, contei pra ele, [mas na verdade, queria era reafirmar para mim mesma] do encontro do menino Riobaldo com o menino Reinaldo na beira do "de Janeiro". Falei do medo de Riobaldo em descer o barranco e do convite do menino para a travessia. Era uma canoinha de nada que balangava nas águas tranquilas do "de Janeiro", o que deixou Riobaldo apavorado, só de pensar o que aconteceria quando entrassem nas águas turbulentas do São Francisco. Riobaldo ansiado querendo voltar. Reinaldo deu ordem ao canoeiro, com uma só palavra, firme e sem vexame: "Atravessa!" Riobaldo apertou os dedos no pau da canoa, fechou os olhos e lembrou que se a canoa virasse, ficaria boiando e era só se apoiar nela, disse. O canoeiro contradisse. "Esta é das que afundam inteiras. É canoa de peroba. Canoa de peroba e pau-d'óleo não sobrenadam". Riobaldo sentiu tontura. Tantas canoas boas no porto, boiantes e tinham escolhido logo aquela de madeira burra. Seu desespero deve ter ficado evidente porque o menino quieto, composto, de frente e olhando para Riobaldo disse: "Carece de ter coragem..." Sentindo já as lágrimas marejarem os olhos, Riobaldo respondeu: "Eu não sei nadar..." O menino sorriu bonito e sereno afiançou: "Eu também não sei."
João, ao ouvir a estória, disse: "Que foda isso, mãe!" Ele que há algum tempo descobriu as metáforas e se encantou por elas. O táxi chegou em seguida e ele partiu. À noite, trocando mensagens sobre as tarefas da semana, lembrei pra ele, mas reafirmando pra mim mesma: "Carece de ter coragem". E ele respondeu com um coração, desses que ficam pulsando..

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