domingo, 24 de setembro de 2017

"Repetir, repetir, até ficar diferente"

Acordei com o barulho da chave na porta. "Cheguei, mãe!". "Que bom, meu filho". O silêncio da cidade quebrado pelo som vindo de uma casa vizinha. Festa de quinze anos. Rolou homenagens, valsa. Os gritos adolescentes chegando até aqui. Depois, foi a vez do funk. Imaginei as mocinhas e rapazes "de família", com suas roupas de gala dançando até o chão. Lembrei da letra certeira: "é som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguém fica parado". E querem proibir... Incomoda só quando é na favela, né? O menino bateu na porta do meu quarto. "Mãe, posso conversar com você um pouquinho?" "Claro, filho!". E contou da viagem da última metáfora. "Sabe aquela rua que você morou, mãe?" Disse como acertei dando a ele o caderninho artesanal, personalizado, para os seus escritos. "Mãe, eu sou muito seu filho. Tô indo pelo mesmo caminho, vendo poesia em tudo". Depois, se despediu e foi deitar. Dessa vez, eu que bati em sua porta: "Filho?" E li Adélia Prado pra ele: "A poesia me pega com sua roda dentada..." "É tipo isso mesmo, mãe!" Li "Antes do nome": Quem entender a linguagem entende Deus/cujo Filho é Verbo. Morre quem entender./A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,/foi inventada para ser calada./Em momentos de graça, infrequentíssimos,/se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão/Puro susto e terror." "Mó da hora isso, mãe." Dei boa noite e saí. "Meu filho, reparou no céu?" Gritei da cozinha, enquanto tomava um copo d'água. "Reparei sim, mãe. Tá lindo! Lembrei dele pequenininho, eu buscando na creche depois do trabalho, e ele me apontando a lua.
"Repetir, repetir até ficar diferente"... Educar é isso.

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